Friends

O sol já não nascia. Os dias amanheciam cinzentos, destinados à escuridão. Apesar de todos os gritos abafados, nada o ouviu, nada o enxergou. Nada do que esperava o ouviu. Nada..
Alguns comprimidos e um copo de vinho, viajara na própria loucura. Estava deprimido e sem saída, mergulhado em um abismo que construiu a base do passado. Tudo que encontrara nas paredes, eram sonhos interrompidos, era a condenação de um passado sem fim, ele pedia para esquecer, era um sacrifício.
Após algumas horas no chão debruçado sobre os papeis, ouvira uma voz. Uma voz dócil, como a de um anjo, repetia freqüentemente uma frase, até chegar aos ouvidos claramente, "eu estou aqui..."

-Quem és tu? Estou ficando louco?
E a voz gentilmente respondeu...
-não estás louco, estou contigo desde muito tempo. Sou apenas um amigo que estás necessitando ter. O que está acontecendo?
-Como posso confiar em você? Eu nem o vejo, nem o conheço, nem ao menos fala comigo.
-Ora, eu sempre falei ^^ você que não se permitiu ouvir novamente. Sou um amigo, e você confia em mim, estou aqui como único, apenas comigo você vai desabafar, nem outro ser vai ouvir seus gritos, nem uma alma vai se redimir para ajudá-lo, eu estou aqui para fazer isso, para cair junto contigo e tirá-lo desta magoa. Você estava me esperando, confie em mim...
-Como fazes isso, não abra os meus olhos! Deixe-me ficar aqui, talvez assim tudo passe, tudo vá embora como sempre foi... Um dia eu cansarei de sofrer assim.
- Talvez, talvez não. Tu és diferente amigo, tu tens medos que nenhum outro alguém se permite a ter.
- O que o medo tem a ver com isso? Tu, não sabes o que falas. Não fale besteiras a mim, não vês que estou tentando me recuperar de um tempo perdido? De um tempo lindo que não voltará mais? Tu não sabes da minha vida, nem o que sinto, não terás noção do que passo. Deixe-me um pouco sozinho.
-Desta vez não. Não poderei deixá-lo só. Afinal quem o entende? Tu não entendes o que sente. Não sabes nem mais o que és. Estás no escuro, não há respostas. Estás perdido em caminho nenhum. Medo? Sim tens medo, mas não é um medo comum. A resposta para todos os questionamentos... É simples e direta, tu sentes medo de esquecer. Simples, tu não queres deixar o tempo passar, por isso tu queres voltar ao passado, ao estrago, às madrugadas, à destruição, e tu não sabes que voltar a isso tudo, não te trará de volta os sentimentos verdadeiros, tu não voltarás ao passado. Tu pensas demais meu caro, és um desgraçado que insiste em pensar. A desesperança é algo que veio com o tempo, o amor. Pergunte a si mesmo não apenas o que foi aquilo tudo que passou, mas pergunte-se apenas o que és agora...
-O que sou agora? ... o que... Eu não sei o que sou agora... Creio que às vezes sei pelo que sinto e não pelo que realmente sou. Meu deus, eu não sei que sou... >< não sei...Tenho ódio... Ódio de sempre me basear no passado, desejo sempre voltar, viver momentos que nunca existiram, momentos que se foram. Não sei o que sinto... Sei que ser algo que quero é muito fácil. Falar que estou feliz é fácil, sentir e ser é difícil. Dizer que sou triste deveria ser mentira. A cada dia que passa meu humor e minha alma se vão com a noite. Parece-me que quando a noite chega, eu estou indo para o passado. Eu ficava triste muito facilmente por pura empolgação, eu gostava, mas acabou se tornando real e dói, é uma dor leve e amiga que me faz querer sofrer lentamente para que eu não peça que vá embora. Sinto-me perdido e sem respostas, o que sinto, o que sou? Um ser que de manhã acorda sorridente como o sol, ou um ser que fica em paz na tarde, ou que chora como um grande desgraçado querendo a escuridão e o passado na noite? Ajude-me...
- Eu nunca o vi assim... As respostas estão em ti, meu caro, estão longe, eu só via a dor na alma por algo inútil...
-Sempre por alguém certo?
-Sim... E nem um ser merece ter o sofrimento de um humano a não ser ele mesmo... Tu sofres por um passado recente, que te magoou como quem recebe uma facada pelas costas, mas meu amigo, o que importa? Sei o quanto amastes, o quanto vistes a felicidade, e ai estás, se perguntando no que te tornastes com toda a felicidade que passou, e não ganhaste nada, apenas lembranças, lembranças que te condenam por que tens medo de esquecer... Acredite, é melhor esquecer-se do que continuar rastejando pelo caminho de volta. Deixaste tudo para trás por um amor... e que amor foi esse que existiu apenas um, e não os dois...? Sobraram apenas lembranças... só isso e mais nada. A maior felicidade, os amigos, tua vida, perdeste tudo por achar que tudo fora diferente. Mas não... Continuas ai, pensando que o passado é o melhor a se pensar do que tudo pode ser diferente, e tu não queres, queres tudo igual, o que jamais vai acontecer. Conforme-se meu caro, olhe para frente, eu estou contigo, mas continuas completamente só. Passado é passado, você tem asas para concertar, ficar deitado no chão se condenando entre palavras não irá te levantar.


As lágrimas finalmente caíram, olhou os papeis cheios de esperança do passado. Juntou-os e os queimou. O ser desconhecido tocou seu ombro, um calor repentino veio, e se lembrou do tempo em que ainda conversavam, era um amigo não imaginário, mas era o amigo e o amante que sempre esteve ao seu lado...
-obrigado por voltar, amigo.
-não agradeça, sabes que sempre estarei vagando perto de ti.
-Por que esta obsessão pelo passado, meu amigo...?
-Feche os olhos... E me diga o que vê?
-Vejo sorrisos, uma tela, vejo a noite, o céu, alguém dançando na escuridão, pessoas zombando de mim, alguém sofrendo, pessoas sorrindo e sendo felizes longe de mim, ouço vozes, sorrisos, leio em letras grandes que fui um hábito e um sonho que se foi... Como dói, meu amigo... Não quero que vejam que estou caído assim. Não quero que saibam. Não quero que entendam, quero que fiquem longe de mim, até eu melhorar e ...
-Calma, não se precipite... Continue de olhos fechados, agora esqueça tudo, esvazie a mente, seu erro é pensar demais, esqueça os sorrisos, esqueça as pessoas, saiba que elas não merecem mais estar aqui, esqueça tudo... Lembre do seu lugar favorito, um belo lugar, ali entre as arvores, o vento, a tarde, o lago perto das flores. Lembre da noite perfeita, onde o amor fraterno era maior, onde estavam os únicos que podiam te segurar. A noite perfeita com seus dois corações que choraste por amá-los tanto, a lua estava bela e sem nenhuma lembrança. Ali é a sua calma.
-Que bonito, meus amigos estavam lá, os dois melhores, mal os vejo hoje, será que estão bem? Era bom o tempo em que só existia eles, e eu estava rodeado de todos os outros, as companhias, era bom cheio de luz, vou encontrá-los logo, e matar esta saudade. Sei que devo me livrar do passado, e que não devo me condenar tanto por tudo ter dado errado. Eu finalmente ficarei pronto para não me importar mais. Eu era uma criança quando tu apareceste para mim e sempre disseste com todas as letras a mesma frase de sempre...
-vamos deixar passar... Agora sabes que não é apenas o passado recente que existe, é possível esquecê-lo. ^^
-sim, pode ser fácil como nunca imaginei, eu tenho outras coisas para pensar. Pensar também pode ser uma morte lenta, então como sempre deixaremos passar...
-como sempre...
-Sinto falta da tua companhia, agora que estou só preciso de você, seja novamente a minha alma meu amigo... Desculpe por deixá-lo ir... Volte para mim...
-Eu nunca fui embora, eu continuarei aqui.

Ao fim da madrugada, deitou-se e nada mais pensou. O ser continuou ao lado da cama, observando-o dormi até o amanhecer... Por várias noites continuou ali, assim como duas almas que não se separam, como um verdadeiro amigo, o ser nunca mais o deixou.

Paula Borges -2010-10-23- sábado

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